quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Rádios Comunitárias mantêm "pé atrás" com projeto do Executivo

É com grande desconfiança que as entidades e organizações da sociedade civil receberam o projeto de lei redigido pelo Executivo e enviado ao Congresso Nacional com o objetivo de propor a descriminalização do ato de operar serviço de radiodifusão sem concessão. Além dos próprios nós envolvendo uma nova regulamentação, justificam o “pé atrás” lembrando a conturbada relação entre o governo Lula e as rádios comunitárias, marcada pela continuidade da perseguição e fechamento de emissoras.

O envio do projeto ao Congresso foi registrado no Diário Oficial da União no último dia 15. O teor completo do documento ainda é desconhecido, mas as informações repassadas pelo Ministério da Justiça apontam perspectivas positivas para os cidadãos acusados criminalmente por operar rádios comunitárias sem autorização. No entanto, o projeto cria severas punições administrativas que podem até mesmo inviabilizar o funcionamento de muitas delas.

O grande mérito da proposta é, evidentemente, o fim das punições na esfera criminal. O texto produzido pelo Ministério da Justiça (MJ), com apoio da Casa Civil, altera o Artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações, acabando com as sanções penais à transmissão clandestina de telecomunicações que seja identificada como radiodifusão. Revoga também o Artigo 70 do Código Brasileiro de Telecomunicações, que criminaliza “a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos”.
São justamente esses dois artigos utilizados para justificar a prisão e abertura de processos criminais contra os responsáveis pelas emissoras comunitárias. O entendimento do governo é de que deve ser considerado crime apenas o que atenta contra os “bens jurídicos da humanidade”, ou seja, não causa prejuízos a ninguém. Portanto, o mero funcionamento de uma rádio não poderia ser considerado crime, mesmo a emissora estando em desacordo com a lei.

Segundo informa o Ministério da jUSTIÇA, a proposta inclui ainda uma mudança no Código Penal. Este passaria a prever como crime apenas a transmissão de sinais de radiodifusão – autorizada ou não – que cause danos à segurança ou à saúde, por exemplo, interferindo na comunicação da polícia ou entre ambulâncias.
“É um projeto que tem uma parte positiva e outra negativa”, avalia o jornalista Hélder Loureiro, diretor do Fórum de Entidades Democráticas pelo Direito à Informação na Paraíba. A proposta é que descriminaliza o ato de praticar radiodifusão e não haverá respaldo da lei para as invasões da Polícia Federal e da Anatel. Mas, por outro lado, as penas administrativas são muito fortes; não há dúvidas de que qualquer iniciativa no sentido de descriminalizar a prática da radiodifusão comunitária é importante. O problema é que, no caso do projeto do governo, o endurecimento das penas administrativas é absolutamente despropositado e cria efeitos muito negativos”, avalia.

Ao tratar da descriminalização, o projeto em pauta não distingue a natureza da programação veiculada ou da organização responsável pela emissora considerada não-autorizada. Neste caso, seriam beneficiadas por estas modificações tanto as rádios comunitárias, como rádios e TVs de caráter comercial que operem sem a devida licença.

Segundo informações do MJ, o texto que está sendo finalizado propõe novas sanções à rádio comunitária funcionando sem autorização: a apreensão dos equipamentos, multa e suspensão do processo de autorização da outorga ou a proibição de que a associação possa se habilitar para um novo processo até o pagamento da multa.

Entre outras indefinições, a proposta do MJ não define os valores das multas. ”Isso é perigosíssimo. Se algum governo quiser impedir a prática da radiodifusão comunitária basta estabelecer um valor impraticável”, afirma Ribeiro.
Para Hélder Loureiro, isso poderia significar o fim de muitas rádios. ”Deveria haver advertências, prazos e uma quantificação, pois se ficar em aberto quem estiver com o ‘bloco na mão’ decidirá.”

Punições para as autorizadas

O projeto também pretende modificar as punições para irregularidades cometidas por rádios comunitárias autorizadas no que diz respeito à veiculação de publicidade, uso de equipamentos fora das especificações e a prática de proselitismo de qualquer natureza, entre outras. Nestes casos, estabelece três categorias de infrações: regulares, graves e gravíssimas.

As chamadas infrações gravíssimas não prevêem o escalonamento de penas, existente em todas as leis de radiodifusão ou telecomunicações. Nesta categoria, são incluídas a prática de proselitismo, a transferência da autorização a terceiros e a transmissão não-autorizada.

Questiona-se, portanto, qual seria a motivação do Executivo em levar a cabo um projeto com estas previsões extras em relação à radiodifusão comunitária quando apenas o seu objeto central – a descriminalização da prática de radiodifusão não-autorizada – já causaria suficiente polêmica.
“O governo Lula tem uma dívida com o movimento de radiodifusão comunitária e acha se ao menos essa iniciativa, da descriminalização, não for tomada agora, não haverá mais tempo para, ainda durante a gestão do Lula, aprovar o projeto no Congresso”, acredita o jornalista. “No entanto, o setor da comunicação esteve, e continua a estar, subordinado ao interesse dos radiodifusores comerciais.”

Fonte: hl.com

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